Caos na Previdência Social!

Em defesa da Previdência Pública, ampla e de qualidade.

domingo, 7 de outubro de 2007

ALTA PROGRAMADA: O caminho da humilhação no INSS

ALTA PROGRAMADA: O caminho da humilhação no INSS

Programa estipula prazo máximo para licença saúde de trabalhador. Muitos são obrigados a voltar ao trabalho ainda doentes

Programa estipula prazo máximo para licença saúde de trabalhador. Muitos são obrigados a voltar ao trabalho ainda doentes
João Alexandre Peschanski
da Redação


Marcos* tenta erguer o braço direito. Não consegue atender o telefone. Sua esposa segura o aparelho para ele. A tendinite crônica o impede de manter o braço suspenso. É metalúrgico, mas não trabalha há um ano. O médico da empresa, sediada em Salvador (BA), considera que ele não está apto a exercer sua função. Marcos não consegue sequer segurar sua filha recém-nascida nos braços.
O perito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) discorda da avaliação do médico da empresa. Segundo ele, Marcos está pronto para voltar ao trabalho. Por isso, em janeiro, apesar de Marcos ter apresentado exames comprovando a tendinite crônica, o INSS lhe deu alta. Quadros clínicos como o dele, disse o perito, não precisam de mais do que seis meses de afastamento. Chegado esse prazo, a alta é automática e os benefícios, como o auxílio-doença, são suspensos.
Marcos é uma das vítimas - inexistentes para a assessoria do Ministério da Previdência Social - da Cobertura Previdenciária Estimada (Copes), programa iniciado em agosto de 2005 para supostamente reduzir filas nas unidades de atendimento do INSS, suprimir fraudes na concessão de benefícios e diminuir gastos com as perícias. A Copes, inicialmente chamada Data Certa, é considerada um sucesso pelo ministério, que afirma ter eliminado 305 mil auxílios-doença indevidos, desde a implementação do programa, e reduzido o número de perícias de 931 mil, em agosto de 2005, para 510 mil em janeiro deste ano.
Pelo programa, o auxílio-doença é concedido com prazo determinado de suspensão. O período de benefício, que é estipulado pelo perito, pode variar de alguns dias a dois anos. O trabalhador recebe, no momento da primeira perícia, uma notificação com sua alta programada (veja nos quadrinhos como a Copes funciona).
Sucesso para o INSS, desastre para os pacientes. Sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) consideram a política de alta programada um ataque aos direitos dos cidadãos porque promove o retorno dos segurados ao trabalho, mesmo que não estejam em condições de voltar.
Marcos, cujo sustento dependia do auxílio-doença, voltou à empresa após a alta programada, mesmo sem estar curado. Sua condição era tão frágil que o médico da empresa o considerou inapto para o serviço. Desde então, ele está afastado de suas funções e aguarda a tramitação burocrática do INSS, na esperança de obter um novo benefício. Enquanto isso, não recebe salário, nem auxílio-doença. "Sou metalúrgico, trabalho com os braços. Como vou me virar? Não sei fazer outra coisa. Posso aprender, com vontade, mas não tenho como pagar um curso para adquirir outro ofício. Voltei ao INSS e me disseram que eu era preguiçoso, como se eu não quisesse trabalhar", afirma.

TIMA DA EMPRESA
Rodrigo* trabalhou dez anos em uma indústria metalúrgica, em Iconha (ES). Um dia, na linha de produção, sentiu uma forte dor na mão e não conseguiu mais mexer os dedos. O médico da empresa diagnosticou lesão por esforços repetitivos (LER), o que não surpreendeu Rodrigo, pois muitos de seus colegas haviam tido a mesma doença.
O médico da empresa, apesar de reconhecer que a causa do mal era o ambiente de trabalho, com acúmulo de atividades penosas, não orientou a empresa a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Sem condições de continuar no emprego, Rodrigo foi ao INSS.
O perito lhe concedeu quatro meses de afastamento, com auxílio- doença no mesmo valor de seu salário na empresa. No momento da alta, programada, Rodrigo ainda tinha dificuldades para mexer as mãos. Recorreu da decisão da perícia, apresentando uma radiografia e uma ressonância magnética que comprovavam a LER, mas o INSS negou outro benefício. Sem opção, ele voltou à empresa. Um dia após seu retorno, foi demitido.
Para Luiz Salvador, da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), a Copes beneficia as empresas que exploram os trabalhadores. "As pessoas são forçadas a trabalhar de modo excessivo e adoecem. Quando voltam do INSS, o empregador está louco para demiti-las, para contratar pessoas mais jovens e sadias. Cria-se um exército de reserva de mutilados", explica.
Para conter os acidentes de trabalho, o advogado sugere que o Ministério da Previdência Social fiscalize as empresas e puna os empregadores que não investem na segurança dos trabalhadores. Em 2004, ocorreram 459 mil acidentes de trabalho, 17,63% a mais do que no ano anterior, segundo dados do INSS, considerados por Salvador abaixo do real.

BEM-ESTAR REJEITADO
No banco onde era caixa, em Santos (SP), Sônia* contava cédulas e digitava horas a fio, quase sem descanso. Até adquirir LER. "Vinha sentindo dores no braço. Nem imaginava que fosse algo sério, mas, um dia, meus dedos travaram", diz. Deu entrada no INSS, onde pediu um benefício por acidente de trabalho, que lhe garantiria mais direitos. Mas o perito que a examinou concedeu um auxílio-doença comum, com alta programada para 90 dias.
Sônia procurou seu sindicato, que a orientou a pedir uma reconsideração da alta e uma nova perícia. Nesta, foi reconhecido o acidente de trabalho, mas o INSS rejeitou a conversão do benefício. Hoje, sem condições de trabalhar, ela recebe o auxílio-doença comum.

MAUS-TRATOS
Os sindicatos denunciam as humilhações e os maus-tratos aos quais os segurados são submetidos quando vão ao INSS. A bancária Valéria*, de Osasco (SP), chora ao lembrar das perícias pelas quais precisa passar, periodicamente. Há oito anos ela sofre de uma inflamação crônica nos braços que a impede de trabalhar.
"O perito tem muito poder. Há muito descaso. Não é que os médicos gritem, mas eles humilham, pois sabem que a gente depende do que eles decidirem. É a nossa palavra contra a deles. E além do mais, não deixam acompanhantes entrar. Ficam sub-entendendo que não estamos doentes. Dá vontade de chorar", conta Valéria.
(Colaborou Luís Brasilino, da Redação)
* Nome fictício, o entrevistado preferiu não ser identificado.

http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/anteriores/160/nacional/materia.2006-03-29.9687558504

Falácias sobre "déficit" da Previdência

Falácias sobre o "déficit" da Previdência

EDUARDO FAGNANI e JOSÉ CELSO CARDOSO JR.

Os setores conservadores não aceitaram as conquistas do movimento social em 88. Eis por que alardeiam que o suposto déficit é "explosivo"

A SEGURIDADE social, um dos avanços da Constituição de 1988, compreende os setores da Previdência (urbana e rural), saúde, assistência social e seguro-desemprego. Para financiá-la, foi instituído o orçamento da seguridade social.
Ao fazê-lo, os constituintes não inventaram a roda. Seguiram o padrão clássico baseado na contribuição tripartite (empregados, empregadores e governo). Note-se que, num conjunto de países europeus, a seguridade é financiada, em média, da seguinte forma: 38% pela contribuição dos empregadores; 22% pela contribuição dos empregados; 36% pela contribuição do governo (impostos); e 4% por outras fontes.
Desde 1934, o Brasil segue esse padrão. O orçamento da seguridade apenas o aperfeiçoou, vinculando constitucionalmente impostos e contribuições sociais. Portanto, quando o governo aporta recursos para a seguridade, não está cobrindo o "déficit", mas fazendo o que é de sua responsabilidade, nos termos da Constituição.
Todavia, os setores conservadores jamais aceitaram as conquistas do movimento social em 1988 e, desde então, para justificar a "urgente" necessidade de reformas visando enterrar inovações trazidas pela seguridade, alardeiam que o suposto déficit é "explosivo" e levará o país à "catástrofe" fiscal. Ao fazê-lo, cometem pecado capital: renegam a existência da Constituição e os fundamentos do Estado democrático de Direito.
Na atual conjuntura, portanto, não há nada de novo no "front" conservador. A instituição do Fórum Nacional da Previdência Social tem apenas proporcionado uma nova onda de revelações equivocadas e apocalípticas.
Um dos expoentes desse matiz, porta-voz de setores conservadores organizados da sociedade, é o sr. Fabio Giambiagi, que tem ocupado espaço de destaque na mídia para alardear o terror.
Agora, no jornal "Valor Econômico", promete combater "mitos ainda enraizados no debate sobre o tema", supostamente defendidos por "aqueles personagens que ficam defendendo a tese de que o homem não foi à Lua e que tudo não passa de uma invenção, de tão surrealista que é a conversa" (sic) ("Valor Econômico", 4/7).
Um dos supostos "mitos" é o de que "a Previdência não tem déficit". E assim conclui essa "argumentação": "Saber se a receita do imposto X deve ser do INSS ou do Tesouro não tem importância nenhuma para efeito do que estamos tratando. O problema é real, não contábil!". Ora, ao contrário, essa questão é de importância capital.
Em primeiro lugar, trata-se de cumprir a Constituição, especialmente os artigos 165, 194, 195 e 239, que versam sobre a seguridade social e o orçamento da seguridade social.
Em segundo lugar, é justamente esse conceito de déficit que precisa ser melhor debatido (e rebatido) dentro da lógica fiscalista.
O autor sempre lança mão desse raciocínio meramente contábil, para apresentar o que lhe parece ser o fim do mundo e dos tempos. Ora, por que será que ele não fala em déficit do SUS ou da educação? Ou déficit das Forças Armadas ou do projeto espacial brasileiro? Ou déficit do Pan no Brasil?
Simplesmente porque, nesses casos, ele não identifica nenhum descompasso entre estrutura de financiamento e estrutura de despesas.
Já no caso da Previdência, que, para ele, deveria ser algo totalmente autofinanciável pelos próprios segurados, ele vê um descasamento contábil entre arrecadação estrita ao INSS e o conjunto das despesas previdenciárias, incluindo a Previdência rural, o BPC/Loas e os regimes próprios do setor público.
Há dois problemas nítidos nessa argumentação: 1) aplica o raciocínio da capitalização atuarial individual a um modelo que é na verdade de repartição simples; e 2) compara alhos com bugalhos.
Assim, em suma, "surrealista" é o debate proposto por Giambiagi.
Em última instância, o que sempre esteve por detrás da reforma da seguridade é a disputa por recursos públicos. A Previdência é o segundo maior item de gasto corrente. Daí a fome do mercado pela reforma e captura desses recursos. As perguntas que na verdade precisariam ser respondidas neste debate são: Que tipo de sistema de proteção social é o mais adequado a um país com as heterogeneidades e desigualdades do Brasil? Qual a estrutura de benefícios desse sistema, quais os critérios de acesso e como se financiará?
Infelizmente, é improvável que respostas para essas questões venham da mágica série de artigos prometidos por nosso especialista.


EDUARDO FAGNANI, 51, economista, é professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho).
JOSÉ CELSO CARDOSO JR., 38, economista, doutorando pelo Instituto de Economia da Unicamp, é técnico de pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

sábado, 6 de outubro de 2007

As raízes da Reforma da Previdência

A reportagem do Jornal Diário do Grande ABC/SP "Previdência Privada Cresce 600% no País", do dia 04/10/2007, revela as raízes profundas da reforma da previdência que está em discussão no Fórum Nacional de Previdência Social. Na reportagem Osvaldo Nascimento, diretor executivo de Seguros, Previdência e Capitalização do banco Itaú afirma claramente que um dos fatores para o crescimento da previdência privada é a ineficiência do INSS: "a partir do momento em que o cidadão percebe que não poderá se garantir com a previdência social, ele vai atrás de informações do serviço complementar."

Na mesma reportagem, o membro da ANSP (Academia Nacional de Seguros e Previdência), Manuel Soares Covas afirma que ainda há espaço para um maior crescimento do setor. Afirma, ainda, que: “o sistema complementar veio justamente para dar condições a necessidades do cidadão que o INSS não pode suprir. Como sistema básico, é necessário que haja a previdência social, se não o País quebra”. A reportagem ilustra ainda as possíveis vantagens dos planos de previdência privada, seus tipos e o melhor perfil de investimento para cada pessoa.

Uma análise sucinta já é suficiente para desconfiarmos de que a matéria tenha sido paga, mas trata-se apenas de desconfiança e não podemos ter certeza quanto a este fato. Mas se compararmos os elementos centrais da reforma da previdência pública discutidos no Fórum Nacional (idade mínima para aposentadoria, restrição de acesso à pensão por morte, redução dos valores dos benefícios e a alta programada) com as declarações contidas no jornal podemos deduzir que a raiz da reforma é a deterioração gradativa da Previdência Pública. A estratégia de mercado dos fundos de pensão e dos bancos é que tal deterioração provocaria uma fuga em massa dos trabalhadores em direção ao regime de previdência privado. Mas eles não chegam ao ponto de propor uma privatização total do sistema previdenciário (como Manuel Soares afirma, o sistema público deverá continuar a existir), isso porque a sistema público serviria somente para suprir as necessidades daqueles que não tivessem condições de contribuir regularmente para um plano privado.

Portanto, o Fórum Nacional de Previdência Social é uma grande falácia, seu papel, em última instância é dar uma aparência democrática para a reforma que na verdade segue as diretrizes impostas pelo lobby dos bancos e dos fundos de pensão. Não se discute uma privatização total do sistema, mas sim uma privatização velada em que as condições de concessão de benefícios no INSS sejam tão terríveis que os trabalhadores desistam de ingressar formalmente no sistema e procurem soluções na iniciativa privada. O Fórum também é uma grande estratégia de conquista da opinião pública, na direção de um consenso relativo à “extrema bondade” do sistema previdenciário brasileiro, que segundo alguns autores (como Fábio Giambiagi, do IPEA) deveria ser mais rígido. Quem conhece a realidade o INSS sabe muito bem que o sistema está muito longe de ser uma “mãe”, mas mesmo assim ainda há espaço para uma maior deterioração e conseqüentemente uma abertura de mercado para poderosas instituições financeiras.